segunda-feira, 26 de outubro de 2015

PANORAMA FIDA 2015 - Erick Gutierrez

Erick Gutierrez em Improviso Poético
Foto: Aline Nascimento

Um corte de contra-luz é tudo que atravessa o palco, como se fosse um reflexo de chuva sobre o linóleo, e não propriamente luz. 
É apenas a primeira chave para uma composição surpreendente, que de cara nos descontamina de toda e qualquer ideia prévia do que seja sapateado.
O título do solo de Erick Gutierrez, Improviso Poético, nada tem de acidental: é de uma literalidade que não adivinhamos até o artista se enunciar na tênue trilha de luz, com seus movimentos de extrema delicadeza, densidade e técnica. 
Como alguns dos mais sutis mímicos de antigamente, Erick usa o corpo com absoluta precisão para escrever histórias no ar, sugerir sentidos, riscar sobre o nada objetos imaginários, como se desenhasse a coreografia, a cada instante, sobre o próprio papel da pauta da música. Somos então hipnotizados por uma poética visceral que impressiona justamente por seu caráter de suavidade, por nos convidar a imaginar o poema enquanto o corpo revela os movimentos à sua maneira - ora se atirando no ar para deslizar sobre a luz, ora abrindo brechas imprevisíveis com vigor, ora descortinando um arco de violino, entre o drama e a ternura, sempre à beira do despenhadeiro.
E de repente, só de repente, é que os ouvidos da gente se lembram de que o sapateado está presente o tempo todo, como uma camada de sonoridade que se adiciona à música sem feri-la e a faz ecoar por uma espécie de irradiação mágica. 
E o poema, incorporado, nos toma por inteiro.
Black out. 

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